Anoitecia na Transilvânia. O tempo se tornara sombrio e relâmpagos a distancia prenunciavam uma forte tempestade. Numa floresta próxima à cidadela medieval de Sighisoara, (terra natal Vlad – o empalador), uma trilha de caça se insinuava entre as árvores para o interior da mata fechada.
Entre um e outro trovão,
quando o silencio prevalecia podia-se se ouvir ao longe, o galope solitário de
um cavalo adentrando a mata.
Uma pequena amazona conduzia
com maestria um fogoso corcel branco em perseguição a uma camurça. Era uma bela
garota de seus dez ou onze anos de cabelos negros ondulados, defraudados pelo
vento, e belos olhos azuis celestes.
Ao se aproximar de uma
clareira, um uivo próximo fê-la instintivamente puxar os arreios e frear o
galope. O cavalo, inquieto não mais obedecia ao seu comando, e com um relincho
alto e um movimento brusco lateral empinou, lançando ao solo sua condutora,
retornando pela trilha em galope forçado.
A pequena Mykhaila,
atordoada, recobrava-se da queda e do susto, quando ouviu um breve rosnado.
Olhou em frente e entre as nevoas de sua mente entorpecida viu se aproximando
em formação de ataque um grupo de enormes lobos cinzentos.
Fechou os olhos e pediu a
Deus que a salvasse do ataque iminente. Ouviu a seguir um baque surdo e ao
abrir os olhos se deparou com seu pai, o capitão Dmitro, que, se interpondo
entre ela e os lobos, mantinha-os à distancia controlando-os com um olhar fixo
e agudo. Nas mãos duas adagas longas e nas costas uma pequena besta.
Os lobos que haviam
estancado o avanço, surpresos, retomaram-no atiçados pelo maior deles que
parecia o líder da alcateia.
O capitão pegou a besta num
movimento rápido, colocou uma flecha e a desferiu contra o líder.
Tendo o crânio trespassado,
o lobo caiu inerte deixando os outros confusos. O Capitão avançou sobre eles
com as adagas empunhadas, e deferiu um golpe no mais próximo que se esquivou,
fugindo a seguir mata adentro. Os outros lobos o seguiram na fuga.
Aquela luta no meio da mata
fora rápida, mas marcaria para sempre a personalidade de Mykhaila.
O capitão pegou-a no colo,
colocou-a na garupa do seu cavalo, advertindo-a que não deveria mais se afastar
dele nestas caçadas na floresta. Lembrou que havia ali, além dos lobos muitos
ursos e linces.
Mykhaila custou a pregar no
sono naquela noite, e quando o fez foi em meio a pesadelos.
Neles, os lobos adquiriam
dimensões gigantescas e formas demoníacas.
No dia seguinte, durante o café
da manhã a situação foi discutida entre ela e seus pais não como um erro ou
temeridade, mas como lição de vida.
Naquela manhã ela e seu pai
se dedicaram a um passeio a beira de um lago próximo quando toda uma aula de
estratégia lhe foi passada, tendo como base a forte experiência do dia
anterior.
Depois de longo silencio, o
capitão começou:
― Você tem que ter em mente,
minha filha, que o predador se alimenta primeiro do medo da sua presa. Diante
de uma situação similar você tem que inverter os papéis. Deve se tornar o
predador, com atitude firme e corajosa. Deve olhar seu contendor nos olhos e
tomar a iniciativa do ataque. Tem que ter foco e se concentrar no líder. Se
você derrotá-lo, desarticulará por um tempo, a estrutura de hierarquia que
permite ao bando agir como um só individuo. Esta condição prevalece em toda
situação de perigo e contra quaisquer adversários que encontrar pela frente.
Animais, homens ou demônios.
― Demônios? (inquiriu
Mykhaila). Mas eles existem?
― Kayla minha querida, existem
e estão mais presentes do que imaginamos. Toda ação do mal é, primeiramente
arquitetada em outras dimensões, e posta em pratica por homens ou animais que
vibram na mesma frequência. Quando enfrentamos o mal o fazemos em amplo
espectro de energia. Às vezes nos tornamos o próprio mal para vencê-lo.
“Quando olhamos para o
abismo, ele também olha para nós” terminou o pai citando a frase de um
conceituado filosofo.
Aquelas palavras ficaram vibrando em sua cabeça por muito, muito
tempo.